E o cão, enlouquecido de dor fantasma
ou dor real, que seja
dor insana que lhe percorre o membro,
em desespero ou ato de loucura
que só a dor lacerante ou a ausência de si podem proporcionar,
abocanha o próprio trecho do corpo para, com fúria de dar medo,
mastigar-se e lambuzar-se... e saciar-se do próprio sangue,
com o que se poderia dizer,
mais ódio de si e do trecho que lhe pertence,
que da própria dor ou daquilo que, enfermo ou não,
seja a causa, a origem, a essência da dor.
O ódio, a raiva, o descontrole
tiram a razão até de quem, por força da natureza,
é regido pelo instinto e que,
composto de trecho por trecho de si,
deles depende para continuar vivo
e sobrevivo neste mundo de homens.
Certo está que tamanho desespero
dá a qualquer um, cão e homem,
animal ou não - como se não o fôssemos desde a origem
cegos de ódio de si ou de outro,
a licença antinatural de continuar odiando
a coisa e o ser, não a causa e a razão.
E a consequência inevitável,
o ato seguinte que não se controla,
o ato seguinte que não se controla,
não pode ser outro senão
a extinção do trecho de si, do ser, da vida;
a extinção do trecho de si, do ser, da vida;
a abscisão do membro e da esperança de futuro
enquanto a etiologia e a raiz
permanecem intocadas e ao abrigo da alma,
à espreita e prontas para saltear o outro trecho,
o próximo ser
permanecem intocadas e ao abrigo da alma,
à espreita e prontas para saltear o outro trecho,
o próximo ser
e devorar um resto de vida despreparada.
Publicado na Revista da Anvlivepa-SP
Ed. 70 - 2010
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